sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Carta do Leitor: Jureia Um Paraíso Ameaçado



É com imensa alegria que publicamos um texto do nosso grande amigo ambientalista SÉRGIO DIALETACHI, com o titulo “Carta do Leitor: Jureia Um Paraíso Ameaçado”, leiam seu primoroso depoimento que ele postou no facebook.
De Sérgio Dialetachi, Peruíbe/SP, 04.10.2019
Carta do Leitor
Gostaria de registrar minha satisfação ao ler (na Folha do último Domingo) o artigo “Juréia: Um Paraíso Ameaçado”, escrito por Rubens Ricúpero, Fábio Feldmann, Eduardo Jorge, Gláucia Savin e Carlos Joly, que esclarece deplorável episódio ocorrido recentemente na Unidade de Conservação localizada entre Peruíbe e Iguape, no Litoral Sul de São Paulo.
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Acrescentaria apenas dois pontos: a invasão não foi um fato isolado e nem foi promovida por simples moradores quaisquer.
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Há cerca de vinte anos, um grupo político equivocado (que se diz de esquerda) resolveu tentar hegemonia local e alcançar projeção regional lançando a tese de que a Estação Ecológica havia sido “copiada de modelos norte-americanos e imposta de cima para baixo”. E esse mantra tem sido repetido por um grupo de seguidores que não presenciaram os fatos ou preferem ignorá-los. Como se vê, fake news, auto-verdades e robôs de compartilhamento não são tamanha novidade e nem exclusividade da extrema direita.
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A criação da Estação Ecológica Juréia-Itatins foi fruto de uma intensa mobilização da Sociedade Civil paulista contra as ameaças da grilagem de terras, da especulação imobiliária e da construção de usinas nucleares nas décadas de 70 e 80.
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Muitos dos maiores nomes da política, das artes, da Ciência, do jornalismo e do ativismo social estiveram envolvidos nessa luta, integrada por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, a Associação Brasileira de Imprensa - ABI, o Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB e a Associação Médica Brasileira - AMB, entre muitas outras de porte e significado.
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A imprensa paulista encampou quase que unanimemente a campanha, com a Folha exercendo grande protagonismo, como pode ser consultado nos próprios arquivos desse jornal.
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Gente muito diferente, como Mário Schemberg, Aziz Ab’Sáber, José Godemberg, Rogério Cerqueira Leite, Eduardo Suplicy, Cacilda Lanuza, Carlito Maia, Luiz Roberto Tommasi, Ecléa e Alfredo Bosi, Fernando Morais, Nanuza Menezes e Randau Marques, apenas para citar alguns nomes, foram fundamentais para a viabilização de uma alternativa de desenvolvimento sustentável para a região. Merece destaque o esforço de Ernesto Zwarg Júnior, reconhecidamente o maior defensor do patrimônio ambiental e humano da região.
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Em 1986, o Governador Franco Montoro conduziu pessoalmente a reunião do CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente que criou a Estação Ecológica, na presença de figuras importantes como o Secretário de Cultura, Chopin Tavares de Lima, o Procurador Geral de Justiça, Paulo Salvador Frontini, o Presidente da SBPC, Luiz Carlos Simões, o Assessor para Assuntos Jurídicos, Roberto Muylaert, o Secretário Especial do Meio Ambiente (federal), Paulo Nogueira-Neto (criador da 1ª estação ecológica, ao redor da área onde seriam construídas as usinas nucleares), o ex-Diretor do Instituto Florestal, Mauro Victor, o Presidente do CONDEPHAAT, Modesto Carvalhosa (precursor mundial em tombamentos de áreas naturais) e o Secretário de Justiça, José Carlos Dias (atual membro da Comissão Arns). Como representante de mais de 130 entidades ambientalistas, participei dessa sessão do CONSEMA.
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A proposta aprovada foi desenhada por José Pedro de Oliveira Costa, provavelmente a maior “autoridade” brasileira no assunto, tendo trabalhado em organismos como a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e a IUCN – União Internacional para a Proteção da Natureza. Por iniciativa própria ou em cooperação com outros especialistas, José Pedro criou 178 Áreas Naturais Protegidas, garantindo a conservação de quase 160 milhões de hectares (até o momento).
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Não houve NENHUMA manifestação contrária à criação da Estação Ecológica, antes ou depois da reunião do CONSEMA, no litoral ou na Capital, fosse de partido político, movimento social, imprensa ou organismo de defesa dos direitos humanos.
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O chamado Grupo da Terra, formado dentro da antiga SUDELPA – Superintendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista, para cuidar das complicadas questões fundiárias e demarcação de terras indígenas em todo o Vale do Ribeira (e, portanto, visto por muitos como “comunista”), foi designado para as conversações com habitantes locais para a implantação da Unidade de Conservação. Vale lembrar que a SUDELPA era dirigida por ninguém menos que José Eduardo Raduan.
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No Governo Quércia, em 1987, a Estação Ecológica foi referendada através de Lei, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - ALESP, também sem oposição.
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Dizer que a criação Estação Ecológica Juréia-Itatins foi uma “violência contra a população tradicional local” é, no mínimo, um desrespeito com a biografia de todas as pessoas envolvidas. Tudo foi feito com o máximo de transparência e participação possível até então.
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Ainda, em 2006, para corrigir eventuais injustiças e contemplar pleitos dos moradores que não haviam sido previstos originalmente, foi feita uma mudança nos limites e nas restrições de uso impostas para diferentes “porções” da antiga Estação Ecológica.
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Uma comissão de moradores chegou a ir até o Palácio dos Bandeirantes para homenagear o então Governador Cláudio Lembo pela assinatura do Decreto de criação desse chamado “Mosaico de Unidades de Conservação”.
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Em 2013, após amplos debates e audiências públicas, a proposta também foi estabelecida por Lei, aprovada pela ALESP.
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Resta saber, então, quem são os invasores ou que interesses estão por trás desse confronto.
Atenciosamente.
Sérgio Dialetachi – peruibense de coração e ambientalista há 46 anos

Fonte
https://www.facebook.com/sergio.dialetachi

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